Sempre que entro num recinto público que pode ser padaria, cartório, açougue, festa ou até mesmo em um velório, olho em volta, procurando aquela moça que conhecemos como a gostosa. Não o faço por desejo, carência, narcisismo ou outro simples reflexo de minha banal condição masculina. A gostosa é um acontecimento quase que eu diria do outro mundo. Ela pode ser loira ou morena, alta ou baixa, preta, branca, japonesa ou búlgara, não importa: a gostosa para mim é minha amada é um estado de espírito. Ou, se preferirem outra palavra, tão esgarçada por programas de esporte, revistas jovens e propagandas de achocolatados: uma atitude. Hoje fui a uma repartição do Governo. Havia ali, sentada, entre os motoboys e os aposentados, a esperar sua senha apitar no painel, uma mulher que parecia a Marta Rocha exibindo suas duas polegadas que a tirou da vez de ser Miss. Universo. Estava discretamente vestida, de cabelo preso, xale sobre os ombros. Não era a gostosa. A gostosa não deixa dúvidas. Chega mesmo cinco minutos depois, de calça jeans desbotada agarrada ou grudada às nádegas, combinando com um top apertado que espremia os peitos e deixava entrever um soutien branco. Não precisa dizer nada, nadinha de nada, você olha e sabe, vê a figura que parece dizer...Cheguei. Assim que entra, com seu rebolar, o cheiro do perfume e o movimento dos cabelos dela emana perfume que embriaga a todos, como que por telepatia, a incontornável informação: atenção, a gostosa chegou. Muda tudo. Cada um sabe exatamente qual o seu lugar social diante da gostosa. O aposentado de jaqueta bege olha de soslaio, ajeita a sandália e, quase triste, suspira. As moças da repartição franzem imperceptivelmente a sobrancelha, regozijando-se de suas virtudes feitas de crachás, cafés e conjuntinhos pretos. Um rapaz de óculos, meio mongolóide, olha pro teto, olha pro chão, as mãos lhe sobram. Todos arriscam um olhar em direção à gostosa, mas ela dá apenas uma conferida panorâmica, mascando o chiclete displicentemente, como quem macera corações, chega à vez dela, retira a senha. Então, do conjunto desconjuntado de homens, do meio dos aposentados e míopes, dos barrigudos e coxos, dos médios, dos graves e dos agudos, surge o desengonçado escrevinhador dessas letras e se dirige para ela. Não acontece nada. Eles apenas se olham e, tacitamente, todos sabem, a gostosa é dele. Tristeza para alguns, alívio para outros. Depois a gostosa vai para um lado, ele pro outro, cada um continua a fazer o que foram ali para fazer, não sobra ali nenhum ator nenhuma cena daquelas bem ensaiadas cenas de Teatro, apenas um perfume doce no ar e a voz da mocinha virtuosa funcionária chamando o próximo: cinqüenta e quatro, cinco quatro! A senha cinqüenta e quatro ou a seguinte, por favor. O casal que parecia terem sido feito um para o outro, caminhava em direção ao Automóvel dele que estava estacionado no pátio da repartição Pública, entraram, ele deu a partida no veículo e passaram ao largo como deslizando na frente dos que estavam a olhar para eles. É isso mesmo, ali ia a gostosa com seu amado para algum lugar se saborearem um ao outro. Que sorte (diria para todos), ele por estar com ela, ela idem e os outros por se aliviarem daquela aparição que os desnorteava, basta, boa sorte para todos.
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