Dirceu Ayres
Não consigo me acostumar com as deformações que existem no Brasil. Basta observar o que está acontecendo aqui na atual chamada lei seca e das ações praticadas contra os cidadãos de bem. As pessoas são paradas na via pública pela polícia, apenas e tão somente porque acabou de sair de um restaurante. Pergunto: qual o elemento objetivo e legal que permite esse tipo de abordagem? Nenhum. Não há suspeita, não há comportamento perigoso, não há desvio de conduta nem manobra capaz de causar dano a outrem. Há, apenas, o fato de estar dirigindo um veículo após ter saído de um estabelecimento comercial ou nem isso: apenas porque está passando naquele local naquele momento. (Local errado e hora errada) Isto é, trata-se de uma circunstância corriqueira de exercício da cidadania. Nessas condições a abordagem é ilegal. É de todo errado, para dizer o mínimo. É de se perguntar: De onde o Estado extrai o direito de evitar a locomoção de um cidadão de família que sai para jantar com sua esposa ou filhos? Ou mesmo com amigos, depois de um árduo dia de trabalho? O trágico nessa história é que, enquanto cidadãos de bem são abordados por policiais armados em alguns pontos das cidades, em outros pontos cidadãos de bem estão sendo assaltados por bandidos armados. Em comum a violência e o abandono. Afora o fato de que esse tipo de blitz acaba deixando um rastro. Quando elas cessarem, porque cessarão, deixará no ar a possibilidade da ilegal abordagem de quem quer que seja e, nesse momento, os policiais menos escrupulosos aproveitarão para "engordar o caixa". Deve-se ter sempre em conta que os fins não justificam os meios, especialmente quando os fins não são razoáveis e proporcionais. A legislação não pode deixar a um policial a discricionariedade de executá-la. A exigência do bafômetro fere o direito fundamental de primeira dimensão, o mais antigo, portanto, o da liberdade, o da preservação da integridade física e moral do indivíduo, o de que nada o obriga a se auto-incriminar. A coação da multa substitutiva é ilícita. Não há dúvida de que essa legislação, desde a expressão - tolerância zero - não atende ao princípio da proporcionalidade, sendo desarrazoada e inadequada, expondo a cidadania ao risco da prisão. Assim, se é certo que o consumo de bebidas alcoólicas não combina com a condução de veículo automotor, é certo igualmente que um cidadão não pode ficar exposto, por um pequeno consumo, num almoço de família, numa confraternização ou algo parecido, a uma situação extremamente vexatória de ser tratado como criminoso. Mesmo assim está dando tudo certo, por mais errado que esteja à lei, diminuíram-se os desastres e as mortes. Os acidentes estão pela metade em todo Brasil. Mas não devemos deixar por menos, isso é muito sério, ou cria-se no Brasil um sistema correto de abordagem que esteja dentro da lei, ou dentro de pouco tempo teremos essa lei exterminada por alguma atitude séria da parte de um Jurista ou do próprio Congresso Nacional. Guardados os limites ou as proporções de cada caso de abordagem, pode se ter outro crime: o de abuso de autoridade. A lei 4.898 define os crimes de abuso de autoridade (ironicamente é uma Lei do período autoritário: 09 de dezembro de 1965). Dentre eles, destaco o atentado à liberdade de locomoção e o atentado à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, "a" e "i"). O cuidado nunca será demais.
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