Dirceu Ayres
A bandalheira dos Transportes parece ter destravado a língua de Dilma Rousseff. Nas últimas horas, ela se tornou loquaz. Manteve dois contatos com jornalistas. Num, recebeu no Planalto cinco repórteres de veículos impressos. Aqui, o resumo produzido por Fernando Rodrigues. Noutro, Dilma sentou-se à mesa do jantar, no Alvorada, com o repórter Jorge Bastos Moreno, cujo texto pode ser lido aqui. Nas duas entrevistas, Dilma referiu-se à encrenca ético-propineira de forma semelhante. Mas houve diferenças sutis. No pedaço em que soou uniforme, a presidente deixou claro que vai mesmo passar o rodo, como se diz, nos quadros do Ministério dos Transportes. “Sairão todos os integrantes do Dnit e da Valec”, disse ela na conversa mais ampla, com cinco repórteres. “A 'faxina' não tem essa coisa de limite”, declarou no repasto com Moreno. “O limite é mudar o Ministério dos Transportes”.No diálogo do Planalto, Dilma rejeitara o vocábulo “faxina”. Dissera preferir a expressão "afastar para apurar."A hipótese do afastamento temporário, esclareceu, revelou-se inviável. Para certos cargos, não existe a “figura jurídica do afastamento.” No Alvorada, além de incorporar a palavra “faxina” à resposta, Dilma não se preocupou com a eventual inocência dos 16 nomes já passados na lâmina. “A ação é sobre pessoas que agiram de forma errada, e nem todas essas pessoas são de um mesmo partido. Isso precisa ser esclarecido”.O realce ao alegado apartidarismo do cadafalso dos Transportes freqüentou os lábios de Dilma nas duas conversas. As demissões ocorrem “independentes” dos “endereços partidários”, disse no Planalto. De novo, disse que a guilhotina não significa “análise de valor” sobre os que tiveram as cabeças apartadas do pescoço. Na mesa do Alvorada, compartilhada também pelas ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Helena Chagas (Comunicação Social), Dilma declarou:“É bom que todos saibam que não estamos agindo politicamente contra um partido”. Pareceu decidida a reconstituir as pontes com o PR."Não se pode demonizar a política", enfatizara na outra entrevista. No esforço para atingir a pretensa neutralidade, mencionara a oposição: "Pelo fato que é do PT não significa que esteja certo. Pelo fato de ser da oposição não significa que esteja errado".Moreno, a propósito, levou FHC à mesa de refeições do Alvorada: “Eu soube que o Lula cobra muito da senhora esta sua amizade com FH...”E Dilma: “Não é verdade! Isso não é verdade! O presidente Lula nunca tratou desse tema comigo, nem em brincadeira!”O repórter insistiu: “Diretamente, não. Mas ele já se queixou para terceiros na sua frente...”Em timbre bem humorado, a presidente entregou os pontos: “Meu Deus! Como esse Sérgio Cabral é fofoqueiro! Ah, ele me paga! Pode escrever, ele me paga!” Em seguida, Dilma derreteu-se: “Realmente, o presidente Fernando Henrique é uma pessoa muito civilizada, muito gentil. É uma conversa muito agradável…”“…Tem gente que fica estarrecida com essa convivência, já que temos pensamentos políticos diferentes. Exatamente por isso é que as pessoas devem conversar…”.“…O governante, o político, não pode ficar limitado ao pensamento do seu grupo. Eu defendo a convivência dos contrários…”“…Há pessoas muito agradáveis e inteligentes no governo e na oposição. Acho que, não só pelo prazer da boa prosa, mas, como presidente da República, tenho o dever de conversar com os diversos pensamentos da sociedade…” “…Eu não sou presidente de um partido ou de uma coligação partidária, eu sou presidente da República”. Moreno emendou: “Mas o PT não fica com ciúmes do FHC?” Dilma não se deu por achada: “O PT já tá bem grandinho para não ter ciúmes de ninguém. Ciúme é um sentimento juvenil, eu acho”. Penguntou-se também a Dilma se ela acha que a decisão de virar a pasta dos Transportes de ponta-cabeça agradou Lula. A pupila do ex-soberano, sob cuja gestão foi nomeada a maioria dos personagens afastados agora, soou despreocupada: “Olha, a responsabilidade é tão grande que a gente não pensa em agradar ou desagradar. A gente só pensa em tomar a decisão mais justa, mais correta…”“…A responsabilidade é do presidente da República perante a nação. A responsabilidade do presidente da é intransferível. Não dá para pensar em ninguém”.Aos pouquinhos, como se vê, Dilma vai impondo o seu estilo. Embora ela tenha se esquivado de admitir, Lula, com seu estilo acomodatício, não é vocacionado para o manuseio de guilhotinas. Postado por blog do Josias.
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