Dirceu Ayres
Segundo comandante-geral da PM, ordem é não dispersar mais aglomerados de viciados, mesmo quando estiverem bloqueando ruas BRUNO PAES MANSO, WILLIAM CARDOSO - O Estado de S.Paulo O desgaste da Polícia Militar nos dez primeiros dias de operação na cracolândia levou o comando da corporação a mudar a estratégia de ação na região. Como resultado, mais de 200 consumidores voltaram no fim da tarde de ontem a se aglomerar na Rua Helvétia, a 50 metros do local que concentrava usuários antes do começo da operação. Dezenas fumavam crack ao ar livre. Multidão de viciados em crack tomam novamente a Rua Helvétia, no centro de São Paulo O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, disse que, ao contrário do que vinha ocorrendo nos primeiros dias de operação, ontem a ordem era não intervir nos aglomerados, mesmo quando estivessem bloqueando a rua. Segundo ele, como as ruas da cracolândia são estreitas e de pouco movimento, não há necessidade de intervenção urgente. "Ali é diferente das Marginais, por exemplo, onde a polícia não pode deixar de atuar se fecharem o trânsito." Camilo disse que o plano a partir de agora é conversar e explicar aos usuários que eles não devem impedir o trânsito. Policiais foram orientados a só agir para impedir a ação daqueles que estiverem consumindo drogas em público e prender quem estiver traficando. "São pessoas que estão fragilizadas, que têm o direito de permanecer na rua se não estiverem cometendo nenhum tipo de crime", disse o comandante-geral. A tolerância da PM com os aglomerados acabou desinibindo o consumo. Com dezenas de pessoas consumindo crack, sem o apoio do Policiamento de Choque e sem autorização para dar tiros borracha e usar bombas de efeito moral, não havia policial que se arriscasse a entrar no meio dos dependentes à noite para fazer cessar o consumo. "Sabe como eu me senti quando vim trabalhar? Algemada", afirmou uma policial ao Estado, reclamando dos limites impostos pelo comando. O agrupamento começou a crescer já por volta das 17 horas. E, pelo menos até a meia-noite, os viciados ainda não haviam sido incomodados pelos policiais. Nesse horário, era possível ver dezenas de brasas de cachimbo queimando em plena rua. E até o chamado "samba da pedra" - roda de pagode de usuários do local - já havia voltado às Ruas Dino Bueno e Barão de Piracicaba. Ao passar pelo local, um morador do bairro comentou em voz alta: "É a vitória dos noias". Policiais assistiam a tudo de braços cruzados. O Estado acompanhou a reclamação feita por um motorista de táxi aos policiais de uma viatura estacionada na Rua Dino Bueno. Ele avisava que às 20 horas os consumidores de crack já haviam bloqueado a Rua Helvetia. Duas mulheres e um homem da PM ouviram a reclamação e nada fizeram. Nas grades da antiga rodoviária, barraquinhas de lona voltaram a ser formadas para abrigar os dependentes de drogas da fina garoa que caía na noite de ontem. O clima era de festa e alguns "noias" passavam gritando, como se celebrassem o retorno ao local. Segundo os PMs que estavam na região, era importante evitar que os dependentes voltassem aos antigos esconderijos na Dino Bueno. Já na Barão de Piracicaba, 50 metros adiante, a ordem era não intervir. "Se você me disser que há alguém fumando e fizer essa denúncia, eu vou lá e prendo", disse um sargento da PM quando a reportagem perguntou porque eles não estavam abordando os usuários. Motivos. Autoridades culpavam principalmente os defensores públicos pela dificuldade de atuar na cracolândia. O secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, por exemplo, reclamou que grupos de defensores públicos passaram o dia incentivando consumidores de crack a permanecer no local. "Alguns são meus amigos, mas eles estão exagerando e dificultando o trabalho da PM", criticou. Já Camilo afirmou que no começo da tarde foi informado por policiais de que um grupo de quatro a cinco defensores havia se reunido na Helvétia para conversar com usuários de drogas. E até uma barraquinha teria sido montada para atendê-los, o que a Defensoria nega. Essa conversa com os defensores, segundo o comandante-geral da PM, pode ter sido o motivo do grande reagrupamento de viciados na rua. A defensora pública Daniela Skromov, do Núcleo de Direitos Humanos da entidade, afirmou que defensores realmente "dialogaram" com usuários de droga. E explicaram a eles sobre direitos, incluindo o de ir e vir. Policiais também foram procurados para ouvir as mesmas explicações. "Conversamos sobre direitos. Não estamos estimulando ninguém a ficar lá", disse ela. Hoje, a pressão sobre a atuação da PM na cracolândia deve continuar. Camilo vai ao Ministério Público conversar com os promotores que na terça-feira abriram inquérito para justamente investigar a operação policial na região.
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