sábado, 12 de fevereiro de 2011

NOSTALGIA

                                      Dirceu Ayres
Estou nostalgicamente saudoso nos últimos dias. Na semana passada e na anterior, pelo menos dois textos do que andei escrevinhando me ocuparam de recordações da minha infância. Pois ontem bastou irmos ao shopping onde devorei, como um lauto jantar, dois pastéis de frango razoavelmente bons para lembrar os pastéis da minha infância. Eram bem melhores, principalmente os da rodoviária ou da feira no meio da rua. O pastel era frito ali, na sua frente, numa panela de ferro enorme, cheia de óleo que fervia o dia inteiro e nunca era trocado: o pasteleiro apenas ia repondo o que ia sendo gasto ou se evaporando. O supra-sumo da gordura trans, mas ninguém sabia disso. Como ninguém sabia, não fazia mal. Não havia pastel de frango, só de galinha, bem me refiro ao frango de capoeira que são coisas muito diferentes. A carne de galinha (de capoeira também) era gostosa e consistente, dava gosto mordê-los. Hoje, os pastéis de frango parecem feitos de roupa velha desfiada. O de carne não era tão bom. Era quase só massa e no finzinho a gente encontrava um pouco de carne moída com cebolinha verde. Na primeira mordida o pastel, antes inchado como um baiacu esticado que murchava como um pneu furado logo na primeira mordida, era o pastel de ar comprimido que a gente já conhecia. Quando não tinha pastel, o que era raro, a gente pedia pão com nata e lingüiça. Pouco depois começaram a chamar aquilo de sanduíche. Mas o pão com nata e lingüiça era geralmente fresquinho e já preparado numa cestinha de plástico no interior de um armariozinho de vidro sobre o balcão. O armário, que era fechado e deveria servir para proteger os petiscos ali guardados e mantê-los asseados, funcionava exatamente ao contrário: como o bodegueiro não tomava cuidado suficiente ao abrir e fechar as portinholas, as moscas entravam e acabavam presas no seu interior onde ficavam passeando até serem expulsas por alguma alma boa. Por isto quase sempre havia mais moscas dentro do armário do que fora dele. Elas viviam passeando, para lá e para cá, sobre as cucas, paçocas, sonhos, roscas, marias-moles e sobre sanduíches de mortadela-(há só prá lembrar, eu empurrava os toucinhos brancos da mortadela e comia o buraco) também o toucinho da lingüiça, imaginem que até os tarecos, doces e mariolas também tinha moscas. Acaso seus olhos desproporcionalmente grandes para seus corpos, pudessem nos transmitir alguma sensação, certamente seria de saciedade e gula. Eram enormes, gordas e saudáveis, como os porcos que minha tia Quininha irmã de minha mãe yayá, criava em seus chiqueiros em uma das ruas transversais da Praça treze de Maio. Mas aquela comida nunca nos fez mal e sobrevivemos até hoje sem maiores percalços. Muitos anticorpos devem ter sido adquiridos ao ingeri-la. Lembra um e-mail que percorreu a Internet, dirigido especialmente aos que têm mais de quarenta anos e não morreram em razão da qualidade da comida ingerida naquela época. Como disse no início, estou estranhamente melancólico, ultimamente. Mas me invade aquela nostalgia boa, saudosa, repleta de lembranças e recordações de fatos da infância. Acho que estou chegando à idade em que a pessoa de idade avançada vai se tornando criança de novo, fruto do inexorável envelhecimento que faz aproximar sentimentos, atitudes e comportamentos semelhantes aos já vividos. Não se preocupem. Não é ainda o doutor Alois Alhzeimer que está por aqui. O inexorável envelhecimento já chegou, agora é tentar administrar o cotidiano, tomar corretamente os remédios, não fazer o que os antigos chamavam de estripulias, e levar a vida como for possível até a chegada infalível da megera que é chamada de Morte.

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