DIRCEU AYRES
Nessas faxinas que faço em minha casa de tempos em tempos, encontro com eles no fundo do armário. Sempre me sorriem pretensiosamente, como se esperasse que eu fosse vesti-los de novo. É um sorriso persuasivo, debochando da minha cara limpa. A segurança deles me encanta e temo segurá-los nas mãos, pois sei que se tocá-los por um segundo que seja, seus contornos definidos, seus músculos sem máculas vão me seduzir. Desvio os olhos, silencio os ouvidos de seu canto de guerra, balbucio melodias conhecidas pra espantar todo e qualquer impulso. Não quero tomar nada emprestados a meus amigos e comandados de quartel, suas botinas de salto com a beleza da altivez dessa tropa. Não agora. Não temos Bandidos, eles me contam -- enquanto solta uma piscadela atrevida- O Comandante que tem o controle do medo, ele está preso na palma da sua mão. Não duvido. Também não o desafio. Mas, resisto. Jogá-lo fora seria admitir o seu fascínio sobre mim. Então, empurro a caixa onde eles repousam -- ansiosos por escapulir -- para o fundo do armário. Nesse momento, me sinto vitorioso, Sim me refiro ao meu Batalhão de soldadinhos de Chumbo. Coloco uma roupa Domingueira (a melhor) e saio triunfante, coloco meu boné de Capitão dos soldadinhos, volto a minha infância, adquiro meu ar juvenil e vou à busca de minha felicidade. Não os vejo mais, mas sei que eles, perfidamente, acabam de abrir a mão. Quem se importa? Eu já estou na esquina flertando com o vento. Insuportavelmente fraco. De agora em diante terei muito mais cautela quando for fazer Faxina e arrumar minhas gavetas e desarrumar meus antigos brinquedos. Tenho de ter muito cuidado pois me trazem muitas recordações e poderá até me deixar deprimido. Esses brinquedos guardam a estória de uma vida, uma vida juvenil, bonita, sem maldade, sem ambições de coisas negativas. Tenho de considerar o que esses soldadinhos de chumbo sabem é de mim só prá mim. Vou tentar viver um pouco mais a minha vida. Vou me impermeabilizar um pouco mais, criar rigidez interna e externa. Pois há coisas que eles sabem e que eu jamais direi: Nem em livros, nem em crônicas, nem em Jornais e a ninguém no mundo. Um místico disse-me certo dia que no TALMUDE falam de certas coisas que a gente não pode contar a muitos, há outras coisas que não podemos contar a poucas e outras coisas que não podemos contar mesmo a ninguém. E eu aqui acrescento! Não vou contar e não quero contar nem a mim mesmo. É esses segredos são de acontecimentos que jamais se repetirão e são tesouros de minha vida, coisas passadas que como as águas de um Rio, jamais voltaram acontecimentos trágicos para mim, ou belo em outras ocasiões, uma verdadeira estória de vida, uma parafernália de acontecimentos amorosos, sentimentais, por vezes interessantes e até de esperança em conseguir mais e mais amor de uma namorada. Por isso acho que é segredo tudo que estes soldadinhos de chumbo comigo passaram e por isso conhecem meus segredos. (E a gata aí em cima). Aí está porque terei sempre o cuidado quando de agora em diante for fazer A FAXINA das minhas gavetas e cuidar de coisas antigas e bem guardadas.
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