terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Entre jantares e mulheres, um capitão arrogante


       Dirceu Ayres

Maioria dos passageiros viu pela 1ª vez o comandante Francesco Schettino em um baile de gala três dias antes de ele fugir do navio ALANA RIZZO / BRASÍLIA, A REPÓRTER ALANA RIZZO ESTAVA, A BORDO DO COSTA CONCORDIA, DURANTE O NAUFRÁGIO - O Estado de S.Paulo Às 22 horas do dia 10, o comandante do transatlântico Costa Concordia, Francesco Schettino, entrou no restaurante Milano, um dos mais luxuosos do navio. Ao som de palmas puxadas pela tripulação e da Tarantela, caminhou lentamente até a mesa reservada para o jantar de gala em sua homenagem. Era a hora da sobremesa, bolo e cannoli, mas ele não comeu. O jantar ocorria dois dias após o início da nossa jornada. E três dias antes da sexta-feira 13 que transformou Schettino em um dos principais personagens deste início de ano. Em homenagem ao comandante, o salão de dois andares foi iluminado com velas e a tripulação usava roupas de festa, traje obrigatório também para os passageiros. Taças de champanhe foram servidas para que todos pudessem brindar em honra a Schettino. Aquela foi a primeira vez que a maioria dos passageiros do navio viu o rosto do capitão, embora seu nome já fosse famoso entre todos, quando chegamos ao porto de Marselha, na França, onde deveríamos embarcar no Costa Concordia e começar nossas férias de sete dias pelo Mar Mediterrâneo. Autoridade máxima do navio, o capitão tinha seu nome repetido por todos os tripulantes. Toda noite, recebíamos na cabine o relatório produzido pela equipe de Schettino com a programação e detalhes da navegação. Também assistíamos aos programas da tripulação na rede de tevê interna. No entanto, a imagem de antipatia provocada por Schettino naquele jantar de gala era reproduzida na recepção de clientes fidelidade da Costa Cruzeiros e no coquetel para passageiros hospedados em cabines de luxo. O roteiro do comandante era o mesmo: brindes e fotos. Poucos sorrisos. A avaliação dos passageiros sobre o comandante era sempre a mesma: arrogante. Ele não circulava pelas áreas comuns do navio, porque, segundo os tripulantes, preferia ficar nos bares e restaurantes reservados. Mas seus oficiais imediatos eram vistos freqüentemente no cassino e nos bares. Sempre acompanhados de belas mulheres. Pelo que se sabe agora, aparentemente, havia outro motivo para chamar a atenção de Schettino: a presença de uma mulher da Moldávia. Mas duas outras jovens - uma loira e outra morena - também chamaram a atenção nos últimos dias de viagem, já em solo italiano, em razão dos vestidos curtos, justos e insinuantes, apesar da temperatura de 2º C. E despertaram revolta quando furaram a fila para o embarque no ferryboat que nos tiraria da Ilha de Giglio no dia seguinte ao naufrágio. Com a cabeça baixa, atravessaram a fila que reunia centenas de passageiros e entraram por uma porta lateral na embarcação. Também não assinaram o papel de identificação que todos os passageiros resgatados assinaram na chegada em terra firme, aumentando a impressão de terem entrado no navio de forma clandestina. Labirinto. Não vi uma cena daquela nem mesmo nos momentos de desespero para sair do navio, no dia anterior. A saída de embarcação não foi nada tranqüila. O Costa Concórdia é um labirinto, com corredores estreitos e bem longos. Até os passageiros freqüentes se perdiam. Em apenas 1 dos 12 decks era possível atravessar a embarcação de ponta a ponta. Um corredor central com nove elevadores e uma ampla escada faziam a ligação entre os andares. Em cada ponta do navio, outros quatro elevadores e uma escada. O Concordia tinha três piscinas e seis jacuzzis. Do lado da popa, ficavam o maior spa a bordo de um navio, academia, sauna, além de cabines especiais, restaurantes e teatro. Na proa, mais restaurantes, bares, discoteca, cassino e uma espaço de recreação para crianças e adolescentes. O tamanho e a complexidade do desenho do navio dificultou seu abandono. Faltavam placas de sinalização e luzes de emergência. Pais ficaram horas circulando em busca dos filhos que estavam em outras áreas na hora do acidente. Filhos subiam as escadas correndo em busca dos pais que já estavam nas cabines. A falta de preparo de tripulantes e passageiros contribuiu para o desespero. Em nota divulgada depois do acidente, a Costa Cruzeiros informou que para "todos os hóspedes do cruzeiro é promovido um exercício de salvamento nas primeiras 24 horas a bordo, conforme determina a lei". Não participei de nenhum exercício, assim como outros passageiros com quem conversei e embarcaram em Marselha. Apenas um cartão escrito "emergência" nos foi entregue e nenhuma explicação foi dada. A noite do acidente era a última da viagem e a orientação da tripulação era a de que até à 1 hora todas as malas fossem postas nos corredores para ser recolhida pela tripulação. Como a maioria deixou para organizar as coisas depois do jantar, poucas bagagens atrapalharam a fuga. No momento do acidente, milhares de pessoas estavam no restaurante Milano, o mesmo utilizado na noite de homenagem ao capitão Schettino. Eram 21h30 quando um enorme estrondo foi seguido por um tombo imediato do navio para a direita. Pratos foram ao chão. Copos estilhaçaram-se. Não havia música. Foram duas horas até nossa saída do Costa Concórdia. O nome de Schettino foi repetido diversas vezes naquele intervalo de tempo. Todos os informes produzidos em seu nome diziam que a situação estava sob controle e não havia motivos para pânico. Um alarme longo deu o aviso de "abandonar barco". Não ouvi a voz de Schettino. Em Giglio, uma tripulante garantiu que o comandante tinha sido o último a sair do navio e ele passaria na igreja para falar com os passageiros. Nem ele nem nenhum oficial do Costa Concórdia apareceram nas 12 horas que ficamos no local. Só voltei a ver Schettino pela televisão. O comandante tinha sido preso por abandonar o navio.

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