Dirceu Ayres
O ex. ministro da Justiça, Dr. Tarso Genro, advogado de ofício e político, tem mostrado, ao longo dos anos, muita habilidade no uso das palavras. Ele tem dito que o "governo não aceitará pressões para a revogação ou modificação da legislação de tolerância zero na ingestão de bebidas alcoólicas por condutores de automóveis". Com relação à legislação recentemente aprovada, o que preocupa é que ela contém várias inconstitucionalidades, como se uma somente não bastasse. Então, falhou o exame preventivo de constitucionalidade do parlamento, exercido pela Comissão de Constituição e Justiça, e o do Executivo, que se dá no poder de veto. Embora o ministro Gilmar Ferreira Mendes, ex. presidente do Supremo Tribunal Federal, já tenha defendido, na mídia, a legislação, há alguns anos publicou artigo sobre o princípio da proporcionalidade. Nesse artigo, facilmente encontrável na rede mundial, Gilmar Mendes menciona o vício de inconstitucionalidade por excesso do legislador e historia os precedentes do STF e os do Supremo Tribunal da Alemanha. Diz o artigo que a doutrina identifica como violação ao princípio da proporcionalidade a contradição, incongruência, irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins, na legislação. Não há dúvida de que essa legislação, desde a expressão - tolerância zero - não atende ao princípio da proporcionalidade, sendo desarrazoada e inadequada, expondo a cidadania ao risco da prisão. Assim, se é certo que o consumo de bebidas alcoólicas não combina com a condução de veículo automotor, é certo igualmente que um cidadão não pode ficar exposto, por um pequeno consumo, num almoço de família, numa confraternização ou algo parecido, a uma situação extremamente vexatória de ser tratado como criminoso. Essa legislação é própria de um Estado policial, não de um Estado democrático de direito. Em um Estado policial, a cidadania vive amedrontada e pressionada pelos órgãos e aparelhos de segurança com o risco de prisão pelo menor deslize que possa cometer. Um Estado policial não é razoável, nem proporcional na sua legislação, menos ainda na sua execução. Poder-se-á dizer que a prisão, no caso da legislação citada, somente ocorrerá em determinadas situações, podendo ocorrer quando não houver submissão "espontânea" ao bafômetro. Todavia há o risco da prisão, e a multa em substituição à não-submissão ao bafômetro é uma forma de coação (pecuniária). Deve-se ter sempre em conta que os fins não justificam os meios, especialmente quando os fins não são razoáveis e proporcionais. A legislação não pode deixar a um policial a discricionariedade de executá-la. A exigência do bafômetro fere o direito fundamental de primeira dimensão, o mais antigo, portanto, o da liberdade, o da preservação da integridade física e moral do indivíduo, o de que nada o obriga a se auto-incriminar. A coação da multa substitutiva é ilícita.
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