domingo, 19 de junho de 2011

A ASSASSINA

 DIRCEU AYRES

Uma adolescente estava a espremer espinhas no seu pequeno banheiro, numa cena clássica e conhecida. O rosto inclinado para poder ver melhor o lado do próprio rosto no brilho completo do espelho. As mãos formando uma concha no ar tentavam espremer ou explodir as pequeninas espinhas no rosto. Os dedos já úmidos do suor que se formava aos poucos sobre a sua face e escorregava pingando a água por entre os dedos. Ela tenta espremer a espinha, a pele escapava. E ela seca os dedos numa toalhinha, e finalmente consegue espremer aquela espinha. Agora só faltam todas as espinhas da testa e das bochechas porque as do queixo, como as que têm nas costas, ela não conseguirá espremer mesmo. . Você pode escorregar no suor do rosto e, pimba!, Enfiar o dedo no olho com força não é uma coisa que a gente faz todo dia, mas que quando faz lembra o quanto é ruim. Você pode espremer a espinha e ficar admirando o buraquinho infeccionar e gangrenar seu nariz, ou pior, deixar uma cratera que se chamará... Marquinha. Mesmo assim, você espreme suas espinhas. É um risco que vale à pena. Espremer espinhas dói, principalmente se é alguém que faz isso por você quando a espinha está localizada junto ao olho, ou na parte traseira do nariz. O que nos motiva a espremer a espinha é a erupção da pele, a saída do pus, o orgasmo do seu tecido poroso, a dor deliciosa da ejaculação do seu poro inflamado. Então o conteúdo a água com aquele tutano, avança para as bordas. A menina continua espremendo suas espinhas em frente ao espelho. Uma delas, bem no canto do queixo, começa a latejar esquisitamente. A menina começa a reparar que a espinha incha. A acne cresce sozinha, engorda se enche de pus rapidamente. A menina vai com os dedos em direção a ela. Vai fechar os dedos, com seu instinto matador, E ouve: -- Espera! Espera um pouco!. Não era que ouvia, mas de alguma forma ela escutava algo lhe falando. E era a espinha, só podia ser. Bobeira minha, pensou ela, e voltou a apertar a pele.-- Espera! Pó!. Estranho demais. Estava ficando louca, insana, abobada. Acne não fala, não fala. -- Você é uma assassina, sabia? -- Quê? Quem é você? -- Nunca pensou que uma de nós pudesse te enfrentar não é? -- Fica quieta, espinha purulenta você só tem pus, não fala! -- Não fala porque é muito reprimida. Tão reprimida que explode. -- O que você quer? - grita a menina, com raiva. -- Uma espinha que conversa. Assusta né? -- O que você quer comigo? -- Custa me deixar ver a vida de perto? Precisa me assassinar, me espremer, e esbugalhar todo meu ser? -- Você é feia, deforma o meu rostinho. -- Ah, seu rostinho vale mais que uma vida, é? -- Bom... Que a sua vida, sim. Você é uma espinha, ora bolas! -- Pra você é. Senhora Acne. Eu tenho todo o direito de viver, o que você quer fazer me assassinando? -- Eu tenho aula amanhã, não vou pro colégio com essa espinha horrível na cara! -- Horrível é você! -- É você! -- Assassina! Assassina!!!. Assassina, bem, assassina mesmo, a menina nunca fora. Não ia espremer aquela espinha. As outras sim, mas aquela não, aquela era corajosa. Botou um esparadrapo em cima dela, pra que ela não visse a família. A espinha que falou com ela, continuou viva, mas muda. E cega. Com o tempo, morreu sozinha (mas não se suicidou). Já reparou que algumas espinhas se suicidam? Morreu e morreu sonhando em ter nascido uma espinha de queixo, das costas ou dentro do nariz. As espinhas do queixo, nariz ou nas costas, essas sim tem vida boa. Sua vida é muito mais longa do que a de uma espinha comum. A menina nunca mais pensou na conversa que teve com uma acne. Mesmo assim, passou a apertar as suas espinhas com mais respeito, um ar quase funerário no ritual de passagem da espinha dessas pra outra melhor. Mas continuava indo sempre todas as noites ao banheiro para mirar um alvo qualquer e concentrar toda a sua força em alguma espinha de preferência solitária, até conseguir explodi-la.

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