segunda-feira, 19 de março de 2012

A GOSTOSA!!!!!!

               
        Dirceu Ayres

Sempre que entro num recinto público ou outro que pode ser padaria, cartório, açougue, festa ou até mesmo em um velório, olho em volta, procurando aquela moça que conhecemos como a gostosa. Não o faço por desejo, carência, narcisismo ou outro simples reflexo de minha banal condição masculina. A gostosa é um acontecimento quase que eu diria do outro mundo. Ela pode ser loira ou morena, alta ou baixa, preta, branca, japonesa ou búlgara, não importa: a gostosa para mim é minha amada é um estado de espírito. Ou, se preferirem outra palavra, tão esgarçada por programas de esporte, revistas jovens e propagandas de achocolatados: uma atitude. Hoje fui a uma repartição do Governo. Havia ali, sentada, entre os motoboys e os aposentados, a esperar sua senha apitar no painel, uma mulher que parecia a Marta Rocha exibindo suas duas polegadas que a tirou da vez de ser Miss. Universo. Estava discretamente vestida, de cabelo preso, xale sobre os ombros. Não era a gostosa. A gostosa não deixa dúvidas. Chega mesmo cinco minutos depois, de calça jeans desbotada agarrada ou grudada às nádegas, combinando com um top apertado que espremia os peitos e deixava entrever um soutien branco. Não precisa dizer nada, nadinha de nada, você olha e sabe, vê a figura que parece dizer...Cheguei. Assim que entra, com seu rebolar, o cheiro do perfume e o movimento dos cabelos dela emana perfume que embriaga a todos, como que por telepatia, a incontornável informação: atenção, a gostosa chegou. Muda tudo. Cada um sabe exatamente qual o seu lugar social diante da gostosa. O aposentado de jaqueta bege olha de soslaio, ajeita a sandália e, quase triste, suspira. As moças da repartição franzem imperceptivelmente a sobrancelha, regozijando-se de suas virtudes feitas de crachás, cafés e conjuntinhos pretos. Um rapaz de óculos, meio mongolóide, olha pro teto, olha pro chão, as mãos lhe sobram. Todos arriscam um olhar em direção à gostosa, mas ela dá apenas uma conferida panorâmica, mascando o chiclete displicentemente, como quem macera corações, chega à vez dela, retira a senha. Então, do conjunto desconjuntado de homens, do meio dos aposentados e míopes, dos barrigudos e coxos, dos médios, dos graves e dos agudos, surge o desengonçado escrevinhador dessas letras e se dirige para ela. Não acontece nada. Eles apenas se olham e, tacitamente, todos sabem, a gostosa é dele. Tristeza para alguns, alívio para outros. Depois a gostosa vai para um lado, ele pro outro, cada um continua a fazer o que foram ali para fazer, não sobra ali nenhum ator nenhuma cena daquelas bem ensaiadas cenas de Teatro ou mesmo de uma novela, apenas um perfume doce no ar e a voz da mocinha virtuosa funcionária chamando o próximo: cinqüenta e quatro, cinco quatro! A senha cinqüenta e quatro ou a seguinte por favor. O casal que parecia terem sido feito um para o outro, caminhava em direção ao Automóvel dele que estava estacionado no pátio da repartição Pública, entraram, ele deu a partida no veículo e passaram ao largo como deslizando na frente dos que estavam a olhar para eles. É isso mesmo, ali ia a gostosa com seu amado para algum lugar se saborearem um ao outro. Que sorte (diria para todos), ele por estar com ela, ela idem e os outros por se aliviarem daquela aparição que os desnorteava, basta, boa sorte para todos.

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