domingo, 30 de outubro de 2011

QUANDO UM LÍDER CARISMÁTICO FICA DOENTE

   Dirceu Ayres 

O assunto dominante neste final de semana é a doença de Lula. Os jornais gastarão rios de tinta e palavrórios sobre a moléstia que acomete o ex-presidente. E, claro, só tem essa dimensão pelo fato de que Lula é um líder carismático nato e por inúmeras variáveis que tornam a política essa coisa imprecisa e surpreendente, acabou se tornando presidente da República. O câncer que se anuncia ter atingido Lula ganha um sentido extra e especial que se sobrepõe a casos análogos, como o que ocorreu com o vice-presidente José Alencar e mesmo com a atual presidente Dilma Rousseff. Como Lula é uma liderança carismática a ameaça de uma doença gera sempre uma convulsão porque esse tipo de líder é insubstituível. Sempre recorro às lições da filosofia política de Max Weber e sua genial construção dos três tipos de dominação política: a dominação tradicional, carismática e legal. Segundo os fundamentos do pedido de obediência pode-se explicar cada um deles de forma ligeira: Tradicional - obedece-me porque o povo sempre o fez; Carismática - obedece-me porque eu posso transformar a tua vida e, Legal - obedece-me porque eu sou o teu superior segundo a lei. A primeira, dominação tradicional, tem como exemplo as monarquias absolutistas onde o poder era passado e mantido pela tradição. As atuais monarquias, ainda que possam ser democráticas, fundamentam-se na tradição, o que garante a estabilidade e evita crises institucionais. A carismática repousa sobre a crença num poder sobrenatural da liderança e a capacidade inaudita do líder de protagonizar façanhas; e finalmente, a dominação legal é o Estado moderno, ou o império da lei. Acordada em uma assembléia constituinte a Constituição do Estado, ou seja, a lei matriz de todas as leis do Estado, e está acima do próprio mandatário. Esta tipologia criada por Weber é um artifício teórico designado por ele como "tipo ideal", não no sentido metafísico de algo bom em si, mas um feixe de noções que serve para guiar uma investigação política. Na realidade não se encontram em esses tipos puros de dominação política. Poderíamos resumir os tipos weberianos como arquétipos da experiência humana. Grosso modo é mais ou menos isso. Desses três tipos de dominação, o mais vunerável e complicado é o carisma. A tendência é sempre a rotinização do carisma que se tradicionaliza ou se legaliza. No mundo real há uma mescla desses tipos de dominação. Mas o importante para o que eu desejo mostrar é que a dominação carismática traz em consigo mais problemas que soluções. Queira-se ou não, apesar de estar fora do governo, Lula funciona como um vértice do qual pende o poder no Brasil da atualidade, enquanto o PT gravita em torno dele. E mais: depende dele. Por tudo isso, a doença de Lula surge como um problema insolúvel para seu séquito político, caso seu tratamento não tenha um prognóstico favorável. Às vésperas de uma eleição isso é um dado dramático para o jogo político levado a efeito pelo PT e seus satélite que juntamente com o PMDB formam a dita "base aliada". Em linhas gerais é por isso que o anúncio do diagnóstico sobre o estado de saúde de Lula se transforma num episódio de grande repercussão. Esta rápida análise que ofereço aos leitores é axiológicamente neutra, isto é, não estou emitindo juízo de valor. Aponto apenas seus aspectos mais notórios em nível sociológico e político, demonstrando que lideranças carismáticas conduzem sempre a crises e problemas diversos. Mesmo me opondo de forma dura e sistemática ao tipo de política praticada por Lula e seus sequazes, torço sinceramente para que o Apedeuta vença o câncer. E o fato de que o diganóstico foi amplamente divulgado é positivo em todos os aspectos. A ciência tem transferido à medicina um arsenal terapêutico fabuloso e Lula terá amplo acesso a um tratamento com todos os recursos disponíveis. Sua chance de superação deve ser elevada, já que em muitos casos similares prognósticos têm sido positivos. Sem abrir mão à crítica que faço a Lula e ao PT, repito: torço sinceramente pelo seu restabelecimento, ressalvando, no entanto que serei francamente intolerante a qualquer manipulação política dessa adversidade que pesa sobre Lula, seus familiares e seguidores.

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