terça-feira, 26 de abril de 2011

Nem Vergonha nem medo

      DIRCEU AYRES
"Sorria, você está sendo filmado." Tínhamos isso em muitos lugares, isso em tempos passados e as pessoas entendiam. Há tempos, quando começamos com essa prática social de colocar câmeras em locais públicos, esse aviso tinha um sentido bem pertinente. A advertência, além de prevenir os mais incautos de que eles não estavam protegidos do olhar de julgamento do outro, fazia um apelo que ainda tinha sentido naquela época que, por sinal, é bem recente. A interpelação contida no cartaz em caráter imperativo, buscava fisgar o amor próprio de cada um que o lesse para que, assim, pudesse mostrar o melhor de si aos outros que o observassem. Afinal, ninguém queria ser flagrado em atitude considerada constrangedora e que pudesse provocar vergonha. Sim: havia vergonha, recato, decoro, boa conduta e educação. Bem, os tempos mudaram. As placas com o citado aviso se multiplicaram e as câmeras também, como um sinal visível de que vivemos numa sociedade do controle, mas isso não colocou freio nos Bandidos ou se preferem, nos Marginais. Entretanto, elas registram também o descontrole das pessoas e a desorganização do espaço social compartilhado, registram assaltos, crimes, roubos e furtos. Está certo que todos os adultos mantêm uma parcela de influência ou de infância que precisa ser superada diariamente, e essa é a tarefa árdua do exercício de maturidade, se Policiar. Mas parece que atualmente essa nossa cota infantil ou de influência por ser autoridade ou ter algum poder em nós, ao invés de ser superada, tem sido cultivada com esmero. Além disso, o julgamento do outro não mais nos incomoda nem importa. Não nos envergonhamos mais de nossos descuidos, nada mais parece nos constranger. O aviso "Sorria, você está sendo filmado" ganhou, portanto, um tom irônico. Adolescentes são tentados a fazer caretas e gestos obscenos quando sabem que alguém os observa. À frente de uma câmera, então, eles se superam e perdem qualquer pudor. É uma maneira de dizer "Eu sou assim, o que você tem com isso?". É um modo de enfrentar com insolência o mundo adulto, do qual acabaram de escapar e para o qual se encaminham. Os assaltantes já nem se incomodam com as filmagens das câmeras, assaltam e praticam os crimes que estão com vontade de fazer... E fazem. Pois parece que é dessa maneira que os adultos têm se comportado publicamente. Não nos importamos mais, aliás, parece que nos orgulhamos disso, de expor nossas piores qualidades e características aos outros. O roxo, uma cor que já foi associada à vergonha; na expressão: "roxo de vergonha". Passou recentemente para nossa história como cor que simboliza o orgulho que temos de nossas atitudes irrefletidas e muitas vezes violentas quando um presidente exclamou em um discurso que "tinha testículo roxo”. Nesse caso parece que o roxo não o ajudou muito, foi tirado do poder. Uma publicidade veiculada pela TV, ao mostrar tudo o que se pode fazer com o dedo indicador, mostra uma criança com o dedo no nariz enquanto o narrador diz, "limpar o salão".  É isso: parece que já não queremos mais mostrar o que temos de melhor aos outros e sim o que temos de pior. Isso mostra um grande desprezo pelos outros, não? Mas não nos iludamos: isso não ocorre apenas em programas de TV, mas no cotidiano de nossa vida pública. Será que concluímos que o que nos une e o que nos equipara na convivência pública são nossas mazelas?

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