Dirceu Ayres
Antes mesmo de perceber que a camisa estava ao contrário, me sentia completamente pelo avesso naquela primeira manhã sufocante de Dezembro. O quarto era pequeno, a mesa onde estava o computador era também imprensada, naquele dia a rua era imprensada, até a vida parecia estreitar-se cada vez mais e mais. Quando se tem 72 anos o resumo da ópera ou do filme é quase sempre assim: dramático e repleto de frases feitas e curtas. Agora sabia que estava vestindo uma camisa ao contrário e até a cueca. Tudo me parecia às avessas na manhã daquele dia de Dezembro quando me toquei que agora chegava o fim do ano e era a virada de década e de ano. Finalmente o ano de 1999... Mas no que isso mudaria minha pobre vida que já é tão esquecida, segundo as pitonisas logo seria o fim do mundo mesmo e isso é meio sem graça... Entrei na cozinha com a camisa ao contrário pensando no fim do mundo, que eu desde menino sempre ouvia falar e as pitonisas e adivinhos proclamava a todos os ventos que o mundo acabaria no ano 2000. Quando dei de cara com um barbudo estranho, tipo esquisito e intruso. Sentado à vontade na minha cadeira preferida. Uma cadeira manca, desbotando a tinta que a minha mãe havia tentado melhorar. Como estava todo pelo avesso não esbocei qualquer reação. Estar assim significava silêncios intermináveis com o mundo. Era meu código de alerta para que vivos, mortos e os zumbis não me atormentassem e na medida do possível se mantivessem distantes. O tal senhor barbudo era ensolarado, casmurro e às vezes mesmo triste. Falava alto, e comia como um bárbaro um maracujá enorme com açúcar, a polpa indefinida se espalhando sobre a mesa, também branca e desbotada como quase tudo na casa. Ouvi algo como: "ele chegou” e mais adiante "Está precisando de alguma coisa, se está chegou a tempo, estamos preparando o jantar.?" Dei de ombros, vou para o meu quarto, que nova confusão seria aquela? Se realmente estava tudo às avessas comigo, porque eu deveria ir jantar com eles se nem os conhecia direito, de alguns, eu nem me lembrava, diacho, tenho de tomar algumas atitudes. Não vou viver me esquivando nem me escondendo de tudo e de todos, tenho de enfrentar minha realidade. Será que depois que perdi meus quinze anos vou viver escondido de tudo e de todos? Não, Não será assim, vou enfrentar a vida como sempre enfrentei...De frente. Nunca fui um cara de me esconder, de fugir, de me ausentar ou arranjar alguma ocupação para não enfrentar alguma realidade que porventura terminava por me aparecer. Às avessas ou não, vou pela senda que o Destino traçou para minha vida, minha caminhada que eu chamo de normal e só vou parar quando a morte me vier fazer uma visita e depois dos “entretanto” não chegarmos a nenhum acordo, que é chegada a minha hora, tendo mesmo que me levar...Fico parado. Vou esperar o dia que eu tenha de entrar na caverna dos antigos e ver todo o desenrolar de mina vida, desde o nascimento até a morte. Saberei quem de verdade gostava de mim ou quem era um falso bem fingido, vivia comigo descontente e por motivos óbvios tentava enganar, que desgraça, logo encontrarei e saberei onde e quem tinha uma amizade às avessas. /até lá, ficarei curtindo as gatas pois isso se tornou muito interessante para mim. Agora é só ter cuidado pois homem está casado com homem e mulher com mulher, isso é perigoso.
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